Blog do curso de Relações Internacionais 2011 da Universidade Federal da Paraíba

domingo, 29 de maio de 2011

As lições de gestão empresarial Maquiavel

MARCELO COELHO
DE SÃO PAULO



Em Folha.com.br


Executivos e empresários, a julgar pela literatura à venda nas livrarias de aeroporto, gostam de se imaginar como guerreiros medievais ou arqueiros japoneses. Aparentemente, há sempre lições administrativas a tirar da vida de Confúcio ou de Leonardo da Vinci. Sem dúvida, a arte ninja de liderar reuniões de orçamento ou a técnica de Átila no marketing varejista servem, se não para turbinar o desempenho de um diretor comercial, ao menos para inspirar seus devaneios de grandeza.
Alguns grandes personagens da história não parecem especialmente talhados para esse romantismo de portão de embarque. O nome de Nicolau Maquiavel (1469-1527), por exemplo, ainda está excessivamente associado ao pragmatismo, à impiedade e à esperteza para que pareça apropriado no esforço de nobilitar o cotidiano empresarial.


OBSTINAÇÃO E RIGOR


Nem tanto, diz o presidente do grupo Telefônica no Brasil, Antonio Carlos Valente, no prefácio a "O Príncipe Revisitado: Maquiavel e o Mundo Empresarial" [Actual Editora, 128 págs., R$ 34], de Aderbal Müller e Luis Antonik. "Inspirados por Maquiavel", diz ele, "os autores mostram que vencer no ambiente empresarial atual requer extrema dedicação, precisão e perseverança. É preciso ser firme, rápido e eficaz. Sem obstinação e rigor não há sucesso."
Reprodução
Nicolau Maquiavel, em pintura de Sandi di Tito
Nicolau Maquiavel, em pintura de Sandi di Tito
Mas "O Príncipe Revisitado" não se limita a recolher de Maquiavel fragmentos de "sabedoria" para todas as ocasiões. O texto procura manter ao máximo o estilo do autor -e sua ambiguidade essencial no que se refere à questão da ética.
Dividido em capítulos curtos, cujos títulos formulam questões precisas ("Por que os Príncipes da Itália Perderam os seus Reinos", "De que Modo se Deve Avaliar a Força dos Principados" etc.), "O Príncipe" (1513; publicado em 1532) frequentemente desnorteia quem o lê. Situações semelhantes, conduzidas de modo idêntico, podem resultar em vitória ou em desastre. Exemplos e contraexemplos se sucedem sem levar a uma conclusão unívoca --a ponto de se discutir interminavelmente, até hoje, para que forma de governo e para que tipo de liderança política pendiam as preferências do autor.
Além disso, o autor de "O Príncipe" insiste no papel imponderável da "fortuna", o acaso ou a circunstância, no sucesso das ações humanas. A este fator se soma a "virtù", que nada tem a ver com a virtude moral de um indivíduo, mas com sua capacidade de domar, pela ousadia ou pela prudência, o ambiente que o cerca.
Sem se beneficiar de uma ou de outra, nenhum governante (ou empresário, se quisermos) sobrevive à sanha de seus rivais. Nem "virtù" nem "fortuna", de resto, podem ser adquiridas nas páginas de um livro. Se fosse assim, qualquer leitor aplicado poderia aspirar, com o tempo, a tornar-se um novo Lourenço, o Magnífico (referência constante em Maquiavel) ou um novo Abilio Diniz (presença forte no panteão de Müller e Antonik).

VOLTEIOS



Aderbal Müller é autor de numerosos livros na área de contabilidade e auditoria. Luiz Roberto Antonik foi diretor da Telefônica e hoje ocupa o cargo de diretor-geral da Abert (Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão). Num texto que imita com sucesso os volteios e formalidades do clássico italiano, a menção dos autores a empresários como Antônio Ermírio de Moraes, Abilio Diniz ou Samuel Klein não é tão deslocada quanto parece.
Não apenas Maquiavel, no seu empirismo argumentativo, preferia o exemplo concreto à regra geral, como também estava desesperadamente em busca de heróis, num momento em que Florença (para nada dizer de toda a Itália, ainda não unificada) amargava as consequências de um prolongado torvelinho político.
Não é que o Brasil vá de mal a pior no campo econômico. Mas, certamente, suas empresas mais representativas passam a uma fase em que se torna cada vez mais difícil enfrentar uma concorrência globalizada; nossos "principados" empresariais se veem diante de corporações bem mais abrangentes, cujos proprietários e administradores não conhecemos de perto.
Explica-se, dessa perspectiva, a ideia de Müller e Antonik de que toda grande empresa depende, em última análise, da figura pessoal do seu dono. Contrariando polemicamente as teses mais em voga na literatura especializada, que privilegiam os "métodos" e a "cultura organizacional", os autores insistem: "Uma grande empresa é um grande homem: acorda cedo, dorme tarde, trabalha muito, sabe tudo, está presente, é obsessivo". O raciocínio vale para a Ford nos tempos do seu fundador, assim como para a Microsoft de Bill Gates, argumentam.
Valerá para a Petrobras? Existirá um só "príncipe" à frente de cada gigante financeiro, farmacêutico ou automobilístico hoje em dia?


ACIDENTES DE PERCURSO


Entramos aqui em dois aspectos nos quais a tradução de um clássico político para o plano da vida empresarial moderna não se faz sem alguns acidentes de percurso. O príncipe maquiaveliano está em luta com potências estrangeiras e com seus rivais internos; presta contas à nobreza, à burguesia e ao populacho.
Seria de imaginar que, mantendo a simetria, o príncipe-empresário de Müller e Antonik tivesse de se equilibrar entre sindicatos de trabalhadores, fornecedores de matéria-prima, concorrentes diretos, governo central e o conjunto dos acionistas da empresa.
São estes últimos, entretanto, o foco quase exclusivo da atenção dos autores. Manter-se "no poder", em última análise, é manter-se no topo da organização -e o trato com os acionistas e assessores diretos parece ser o ponto em que Maquiavel mais tem a dizer para o leitor-empresário de hoje.
Sinal dos tempos ou restrição voluntária do foco por parte dos autores? Seja como for, não falta graça ao feito estilístico de Müller e Antonik; a realidade econômica de hoje, todavia, é provavelmente bem mais complexa do que cabe nas páginas deste livro, ou nos relatórios que recebem os acionistas de uma empresa.


CHURCHILL


"Fortuna" e "virtù", os dois componentes básicos com que se pesa o sucesso de um líder para Maquiavel, nunca faltaram à figura de Winston Churchill (1874-1965), que inspira outro livro recém-lançado para o público empresarial.
"Winston Churchill, CEO" [Campus, 280 págs., R$ 69,90], de Alan Axelrod, é o último produto de uma linha de montagem que tem, entre seus títulos, "Gandhi, CEO" e "Elizabeth 1ª, CEO". Como em qualquer livro de autoajuda, o problema do autor é o de esticar por mais de cem páginas um conjunto básico de regras ("defina o empreendimento", "elimine o medo do desconhecido" etc.) que simplesmente se explicam a si mesmas.
A vantagem é que Axelrod escolheu uma figura histórica realmente inspiradora. A vida de Churchill tem passagens de coragem extrema, muito antes do seu teste definitivo, liderando a Inglaterra na resistência isolada (depois da derrota da França e do pacto germano-soviético) contra a Alemanha de Hitler.
Aos 22 anos, Churchill recebeu seu batismo de fogo em Cuba, como correspondente de guerra; as balas dos insurgentes contra o domínio espanhol zuniram perto dele -e a sensação lhe trouxe euforia. Daí às fronteiras do domínio britânico sobre a Índia, ao Sudão e à África do Sul na guerra dos bôeres (em 1899), o jovem oficial consolidou sua carreira de combatente e escritor.
Dificilmente um empresário moderno haveria de considerar aconselhável investir sozinho, de Mauser em punho, contra rebeldes tribais. A pura sorte (ou a "fortuna") ajudou Churchill numa fuga cinematográfica de um campo de prisioneiros sul-africano.
Episódios desse tipo, além de discursos célebres e exemplos de negociação com grevistas, fornecem material interessante e admirável ao livro de Axelrod -ainda que ao preço de muitas repetições e de indisfarçada diminuição do espírito crítico.
O valor da história concreta, da "realità effettuale", como dizia Maquiavel, salva, entretanto, o livro de Axelrod das abstrações do gênero. No fundo, também em "O Príncipe" o problema era o mesmo: como se valer de princípios teóricos gerais quando são sempre concretos, específicos e indecidíveis os desafios de uma gestão? Em que medida cabem contra o Carrefour ou a Tim decisões tomadas contra o papado renascentista ou os tanques de Hitler?
O leitor, à espera do avião, aspira pelas altitudes.

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