Blog do curso de Relações Internacionais 2011 da Universidade Federal da Paraíba

sábado, 9 de abril de 2011

De Nova York a Damasco Assad é um medico reformista ou um autocrata?

no twitter @gugachacra
Bashar al Assad costuma encantar os seus interlocutores. Do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, John Kerry, passando pela primeira-dama francesa, Carla Bruni, a jornalistas que o entrevistaram, todos ficam com a impressão de ter conversado com um genuíno reformista e democrata. O líder sírio parece mais o médico oftalmologista que viveu em Londres do que um autocrata que herdou o poder de seu pai há 11 anos.
O próprio Assad tenta vendar esta imagem. Não usa roupas exóticas, como Muamar Kadafi e Yasser Arafat. Nunca adotou o estilo militar, de Hosni Mubarak. Tampouco o de playboy internacional, do rei Abdullah, da Jordânia. Sempre busca passar a imagem de ocidentalizado, bem diferente dos monarcas do Golfo Pérsico.
O líder sírio evita dar um caráter religioso para o seu regime. A Síria seria, na visão que Assad gosta de vender, um país estritamente secular. Internamente, quase nunca o presidente aborda a sua origem alauíta, que representa apenas cerca de um em cada dez sírios, enquanto os sunitas seriam 75%. Ele sempre tenta se mostrar secular.
No Ramadã, Assad até participa de eventos, mas não chega a jejuar, assim como outros integrantes de seu governo. Sua mulher, Asma al-Assad, seria a sua versão feminina, com a diferença de ter origem sunita. Nasceu e estudou em Londres e Boston e trabalhou no banco de investimentos JP Morgan nos Estados Unidos. Recentemente, foi tema de reportagem na revista Vogue. São raras as suas aparições com lenço na cabeça, se sentindo bem à vontade ao lado de Carla Bruni em um jantar.
“Ele é um oftalmologista que estudou em Londres e um nerd de computador que gosta de brinquedos tecnológicos”, escreveu David Lesch, autor de “The New Lion of Damascus: Bashar al Assad and Modern Syria”, uma biografia do líder sírio. O jornal israelense Haaretz certa vez afirmou que a inteligência de Israel ficou surpresa com o vício de Assad em seu PlayStation.
Segundo escreveu no The Guardian o especialista em Síria Brian Withaker, “Assad não se parece um presidente árabe, ou um ditador. Ele não tem o ar arrogante de Ben Ali ou é egocêntrico como Mubarak. Ver Assad nos faz lembrar do chefe dos escoteiros, que sabe fazer nós difíceis, mas ainda tem dificuldade de manter a barraca armada em grandes ventanias”.
Ao entrevista-lo em junho do ano passado, também fiquei com a impressão de estar diante de um jovem sírio disposto a falar de assuntos como a seleção brasileira de 1982 e as atuações de Sócrates e Zico. Em determinados momentos, Assad, com pinta de jogador de basquete e de olhos claros, parece tímido e sem graça na sua posição de líder de um regime. Diferentemente de outras lideranças árabes, recebe os repórteres sozinho, sem mais ninguém, em uma sala de uma casa construída na área do palácio presidencial.
Quando assumiu o poder, tentou acabar com o culto à personalidade. Mandou retirar todos os cartazes com a sua imagem. Na estrada da fronteira do Líbano até Damasco, havia uma foto dele a cada 50 metros. Depois, ficou sem nenhuma. Ao longo dos anos, porém, ele voltou a aparecer em outdoors espalhados por Damasco, como diante do hotel estatal Chams e na entrada do histórico suq (mercado) Hamidieh, na parte antiga da capital síria.
Entre os sírios, também circulam histórias de que Assad iria a restaurantes sozinho com sua mulher, fazendo questão de pagar a conta e dirigindo o próprio carro. Outras dizem que ele ainda atenderia pacientes carentes. Nas lojas e táxis da cidade, muitos colocam fotos do líder sírio. Em muitos casos, apenas para evitar o serviço de inteligência. Em outros, porque genuinamente gostam de Assad. O líder sírio, conforme disse um diplomata estrangeiro baseado em Damasco, seria o inverso de seu pai. Enquanto Hafez al Assad era temido por sua violência e o massacre de Hama, Bashar seria o bonzinho, que abriu a economia síria.
Para Ayman Abdel Nour, que foi um dos melhores amigos de Assad e hoje vive em um auto-exílio nos Emirados Árabes, “o problema é que a mídia o retrata como um ocidental usando iPad, casado com uma cidadã britânica (filha de sírios) e que fala inglês fluentemente”. “Mas ele próprio disse várias vezes que isso não significa ser ocidental em seus pensamentos. Ele é sírio”, acrescentou o opositor em recente depoimento para a rede de TV CNN.
Segundo Nour, a personalidade de Assad muda de acordo com a sala em que ele estiver e com quem estiver conversando. Por este motivo, Kerry e o ex-presidente Jimmy Carter teriam desenvolvido amizades pessoais com o líder sírio. Há uma semana, a secretária de Estado, Hillary Clinton, afirmou que parlamentares republicanos e democratas consideram Assad um reformista. Porém, para o Irã, o Hamas e o Hezbollah, ele é um aliado. Na verdade, hoje, poucos sabem dizer se Assad ainda é o oftalmologista ou o herdeiro de seu pai. Mas, cada vez mais, a segunda opção parece a mais acertada. Dez pessoas foram mortas das manifestações contra o seu governo hoje.

O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de “O Estado de S. Paulo” em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

0 comentários: